Passo ante passo;
Passo ante passo;
Preto no Branco.
No início, não havia nada.
Depois, surgiram dois homens das cavernas que vendiam ovelhas: apresento-vos o Trog Lódita e o Preisto Rico.
Toda a sua convivência era pacífica e fraterna: cada um vendia um tipo de ovelhas que tinham diferentes qualidades das do outro vendedor e assim cada comprador escolhia a que mais lhe convinha, conforme as suas necessidades. Vendiam os belos animais lado a lado, sempre mantendo uma amizade reforçada pelo negócio que tinha crescido com o tempo. Toda a povoação os conhecia como homens honestos e recorria frequentemente ao seu negócio. Mas isso estava prestes a mudar…
Certo dia apareceu uma cliente de idade, a D.ª Mácomoá Xcobras e, com um olhar malicioso, fez a seguinte questão:"-Então meus rapazes, poder-me-ão indicar qual do tipo de ovelhas o melhor?". E nisto, fez se um silêncio milenar. Ambos matutavam com os seus dois neurónios a carvão, para encontrarem resposta a tão difícil questão. Neste impasse, e enquanto a idosa regozijava com os seus botões o sucesso da dúvida que lhes lançara, ele olharam um para o outro, olhos nos olhos, cerraram os dentes, e no mesmo compasso disseram: "A minha ovelha é a melhor!". Incrédulos com a hostilidade instalada, começaram a disparar: "Veja, D.ª Mácomoá, a qualidade da lã que a minha ovelha produz!", dizia Trog, enquanto que Preisto atropelava: "Cara Xcobras, espere até provar a carne tenra e suculenta da minha ovelhita!". Entre isto, deixando os dois homens a discutir, a senhora sai sorrateira.
No dia seguinte, Trog, traz as suas ovelhas muito bem tratas, com uma lã penteada, lustrosa e sedosa. Gritava em plenos pulmões que se as suas ovelhas eram de linhagens que cruzavam desde bichos-da-seda a crocodilos, e que as suas peles eram o supra-sumo das peles no planeta. Olhando de esgueira o seu adversário, Preisto massajava um dos seus exemplares, pregando aos quatro ventos que o seu gado era alvo de mordomias dignas de príncipes, para que no prato servisse os reis. A população aproximava-se e ouvia os dois homens possuídos a dispararem as frases apelativas.
O tempo foi passando, e as tácticas de venda evoluindo. O contrário não se verificava com as mentalidades da povoação, que regrediam e sujeitavam-se ao jogo dos vendedores: o que convencia mais, vendia mais. Foram tornando o negócio numa batalha: enquanto que Trog acendia tochas com seu nome, Presto punha ovelhas a fazer o pino e outras proezas nunca antes vistas; Trog dava pequenas amostras de lã à porta do estábulo e Presto entregava pedras com inscrições de um lema que ficava na cabeça dos inocentes homens ancestrais. Presto chegou certa vez a oferecer 1 na compra de 2 cabeças de gado, mas Trog não lhe ficou atrás e oferecia um conjunto de instrumentos de tratamento de pêlo para cada animal adquirido. Chegaram ao ponto de enumerarem caracteristicas que os pobres mamiferos não possuiam, vejam lá!!!
Num ímpeto de desespero, Trog subiu a um penedo, adoptou uma postura de confiaça e começou a cantar "Sei que estou sozinho, contei uma piada e ninguém…"….
Desde então, a vida não mais voltou ao mesmo...
Onde já ouvi isto???
Faz parte do conformismo quotidiano dar valor às coisas ditas normais: pessoas, objectos, pensamentos, acções, feitios...coisas. Vivemos num mundo em que ter (+) dois dedos de testa pode significar "inquisição" ou a good old marginalização. Alias, decerto que já sentiste que, daquela vez que te quiseste destacar dos demais e ser um pouco mais, melhor, para ti ou para os outros, sentiste logo aquela comichãozita subtil dos olhares de soslaio e do cochicho sempre oportuno. Quanto a isso, podem defender que todos somos humanos, raça superior que é competitiva por natureza e que vivemos numa sociedade onde o mais forte predomina. Respondo eu: talvez não o mais forte, mas o que pisa mais, morde mais, esmaga mais, acotovela mais, pontapeia mais, mente mais e, para variar, o que tem mais cunhas. Estes, parece, são os Normais. Poucos são (e louvados sejam) os que sobem na vida a título próprio, e chegam ao Everest com o próprio suor. Pity…
Chega da vertente 'crítica social '.
O que me levou hoje a escrever foi o titulo do post.
"És normal"
Muitas vezes levado como um elogio, outras tantas como defeito. O Zé Povinho serve se da expressão como bengala de discurso, para classificar, categorizar, adjectivar, confortar, porque sim ou apenas porque é uma boa deixa para mudar de assunto: "é normal..".
Mas já alguém parou para pensar o que raio significa normal?
O que me dá graça é quando este adjectivo é aplicado a pessoas, gente humana.
Normal: (dic.) "Conforme à norma ou regra comum; habitual."
Qual é a norma ou regra comum? Eu não assinei nada à nascença, espera aí…
Mas nós somos, realmente, normais em quê?
Somos diferentes em basicamente tudo! Quer física quer psicologicamente. Não se pode comparar uma pessoa a um conjunto de outras e defini-la como normal! Tem sempre outro feitio, outras maneiras, outras ideias, outros tiques, outras perspectivas e opiniões. Normalidade é um conceito meio utópico, se me permites… É cuspido da boca para fora, como se fosse um papel de embrulho que envolve toda a gente: fica sempre bonitinho estar dentro. E se é certo que é muito encorajado nos dias de hoje, também é certo que nós temos a nossa quota-parte de culpa: queremos vestir igual, pensar igual, opinar igual, ver igual, ter igual, SER igual… Procuramos o dito "embrulho", sem percebermos que cada um de nós é uma prenda por si só. Somos diferentes, no way we can change that…too bad…
Por isso, defendo que nós devemos evidenciar as nossa diferenças e sentirmo-nos orgulhosos delas, porque somos únicos. Se não as tivessemos, seriamos todos uma produção em série sem interesse. Vê-se regularmente na TV o resultado da repressão das nossas pequenas excentricidades e singularidades: homicidios, suicidios, consumo de drogas, alcool... Não deveríamos andar tão preocupados em seguir nos carris das modas, mas de vez em quando deitar a cabeça fora da carruagem e gritar bem alto por algo que queremos. A normalidade não existe, cada um é uma diferença por si só. E devíamos andar mais preocupados em aceitar as diferenças (nossas e dos outros) do que a procurar a nossa (falsa, mas conformista) normalidade.
Penso que é justo afirmar que somos diferentes, na nossa normalidade…
Também há muito o medo de pensar por si próprio, virar um bocadinho o traseiro á Mãe Sociedade e pensar por cabeça própria. Espírito crítico, inteligência, sabes? Qualquer empreendimento ou aventura que façamos para "receber daquilo que aumenta o coração" (Mafalda Veiga, Restolho) fora do "normal" é visto como afronta, principalmente por aqueles que não têm a coragem para o fazer: "Ai, olhem para nós: estamos tão bem aqui no embrulhinho e aquele carapau de corrida vai-se aventurar a conhecer a mesa de jantar do bacalhau da consoada…tss!". A sério que estas nossas pequenas revoluções e "sedes de mais" provocam sempre maus estar, comichão e dores de cabeça a outrem…too bad…